A estória é em torno de Alex (Malcolm McDowell, o eterno “Calígula”), líder de uma gangue de delinquentes que, como fonte de satisfação, no que eles chamam de “ultraviolência”, matam, roubam e estupram. Mais tarde, Alex cai nas mãos da Polícia e é usado em um experimental e desumano método que visa refrear seus maléficos impulsos. Ao final, Alex, agora em um ser extremamente impotente, retorna indefeso à sociedade.
O estranho título, "Laranja Mecânica”, tem no mínimo significados – isso mesmo, significados – curiosos, tão incomuns quanto o próprio título.
Ao pé da letra, o título original, “Clockwork Orange”, quer dizer “Laranja com Mecanismo de Relógio”. O que nos remonta a uma visão mecânica, forçada e robótica da qual se pode condicionar o comportamento humano.
Quanto ao substantivo frutífero “laranja”, pesquisei sobre e, aqui, propriamente dito, tem semelhança com a palavra inglesa “orang – utan”, ou seja, indireta a uma conhecida espécie de macaco (Orangotango), certamente alaranjado, fácil de dominar.
Ainda em relação ao título, existe também a alusão ligando-o a uma velha expressão londrina (o filme se passa em Londres) que apropriadamente significa: “muito estranho”. Nesse aspecto, liga-se à visão do autor sobre o comportamento dos jovens delinqüentes ou, mais corretamente, como já se apontou no início, ao tratamento que o criminoso Alex fora submetido.
A ideia que prevalece então é que o título abrange todo o procedimento supramencionadamente mecânico e artificial em que Alex é inserido sob o subterfúgio de “reabilitação”, por qualificarem o ser humano como um ser programável; um verdadeiro animal “domesticável”.
Sem dúvida, o grande trunfo do filme, muito polemizado na época – até mesmo proibido de ser exibido no Brasil –, foi apresentar a violência de forma tão aberta e ampla, abusando totalmente da complexidade do tema, em uma chocante e irônica narrativa.
No tocante ao personagem Alex, pode-se dizer que as barbaridades antes fomentadas e praticadas por ele, subjugadas como sem razão, são, na verdade, uma represália contra esse mesmo governo, corrompido, regido por paradigmas egoístas, motivado unicamente pelo interesse e benefício próprio.
Independente de como ele se portasse, agora “civilizada”, ou antes, desordeiramente, ele sempre seria a repressiva vítima.
Por tal motivo, Alex poderia ser incontestavelmente o herói da estória, mas ao analisar toda a monstruosidade cometida por ele contra inocentes [ou não... tanto faz], mesmo sendo fruto de sua considerável revolta, a exata justificativa de seus atos não aparece. Sendo assim, nessa retratação, mocinho e antagonista se contrasta.
Kubrick, satisfatoriamente, não isenta ninguém, ele simplesmente explora os dois lados, revelando intrinsecamente cada intenção, para que o expectador chegue a um veredito, segundo o que lhe apraz.
Em equiparação com a nossa realidade, “Laranja mecânica”, nos faz perceber que, pela má e controladora atuação do Estado como regente da ordem, a sociedade se torna apática no que diz respeito aos infortúnios com as quais se depara como, impunidade, desrespeito, preconceito, corrupção, guerras, assassinatos. Isso porque a indiferença foi bem imputada pela subordinação. O que é muito bem representado na cena final em que o vilão/herói Alex, “regenerado”, tem o seu silêncio obrigatoriamente comprado.
E é isso que o roteiro basicamente denuncia: A violência é notavelmente aflorada quando somos duramente inibidos por pseudolálicos e invasivos concebimentos morais, cotidianamente sustentados pela hipocrisia e conivência, seja governamental, religiosa ou meramente social. Pois a prática da violência, em tese domada pelo conceito civil, nos é inerente e instintiva. No entanto, o que mais ocorre em nosso meio é a rendição voluntária à inatividade, por ser assim mais cômodo.
Os agentes controladores do filme, governo e igreja, tanto um como o outro podem [e por vezes o fazem] manipular em prol de seus ideais. Um agente utiliza-se de argumentos inspirados no que denominam como “boa conduta”; o outro se apega àquilo que julga ser aprovado ou não por Deus. Então, o que fosse considerado “politicamente incorreto”, ou “heresia”, tinha como resultado a punição.
É, talvez Stanley Kubrick estivesse suscitando repúdio a política e a religião, talvez não, pois, pelo que conheço de seus filmes, mesmo polêmicos e “rebeldes”, são abertos à interpretação pessoal. Baseado nisso, a mensagem que eu extraio como espectador, simplória ou equivocada que seja, é acima de tudo, um alerta no que diz respeito às nossas atitudes tomadas, decisões pessoais e/ou qualquer manifestação que venhamos expressar.
Segundo meu ponto de vista, ao contrário do que alguns pensam sobre o filme conforme pesquisei, acho descartável a ideia de que a obra apoie à anarquia ou, redundamente, a total abdicação de lei, fé e ordem.
Aceitar assim é generalizar, e isso pode soar como insensato no tocante ao contexto, ainda mais se o motivo for baseado na leviandade de alguns. Eu prefiro ressaltar que o problema não está nos agentes em si, e sim na deturpação que eles sofrem ao serem direcionados por pessoas más intencionadas.
Muitos concordarão que, quando se trata de opinião, dificilmente encontramos algo absoluto ou infalível. E com o diretor Kubrick não é diferente. Ele também é passível de refute, erros e relatividade como qualquer um, porém, admito que é irrevogável sua coerência à frente de "Laranja mecânica".
Parece contraditório, mas não, a discussão levantada pela trama vai além do que possamos compreender. Qualquer impressão é inteiramente pálida, diante de tudo o que mostrado nesta película.
Fato: sempre fomos condicionados a algum tipo de controle abusivo, e hoje esse campo foi ampliado e mascarado, sendo intermediado por mídias, por sociedades alternativas, facções, grupos, e etc, que nos impõe conceitos, doutrinas e diretrizes, na tentativa de nos privar de pensar e agir naturalmente.
Portanto, se aprendi algo com este filme foi que devemos ser autênticos no que somos e convictos do que queremos.
Uma última observação pertinente a se fazer é que “Laranja mecânica” não é um exemplar prazeroso de se ver. Estou falando de um clássico cult, forte, único e duramente confrontador. Confesso que fiquei impressionado quando o assisti.
Entretanto, é importante reconhecer a importância do mesmo para a sétima arte, e sua genialidade em abordar tal assunto, com tamanha presteza. Ainda mais ao ver que esse é um dos poucos filmes em que sexo e violência não são meros artifícios de apelação visual. Cada cena tem, necessariamente, um objetivo por de trás, seja implícita ou explicitamente. Por isso é que Kubrick, revolucionário e original como era, conseguiu criar uma obra visionária e indelével para história!
Sem mais, afirmo: “Laranja mecânica” não é o melhor do entretenimento; “laranja mecânica” é um duro exemplar da mais intimista arte cinematográfica...