O diretor argentino Gaspar Noe conseguiu gerar com esta altercada obra, denominada como “Irreversível”, múltiplos sentimentos em seus espectadores, em suma, negativos. Com o decorrer de minha resenha, vou esclarecer o porquê...
Acredito que a maioria das pessoas que resolveram ver “Irreversível”, foi motivada a fazê-lo devido a sua famigerada cena de estupro, pois filmes que abordam tal temática costumam causar essa curiosidade suspeita, e comigo não foi diferente, apesar de o tema me incomodar bastante.
Quanto ao roteiro, este é basicamente sobre um homem que busca implacavelmente o estuprador de sua namorada. Uma premissa consideravelmente fraca, entretanto com alguns diferenciais, dentre eles o ímpeto irracional do tal homem ao tentar encontrar o algoz, os lugares escabrosos pelos quais ele percorre, e o estupro propriamente dito.
Outro diferencial que poderia se destacar na estória é que a mesma é contada de trás pra frente, mas como tal recurso já foi utilizado em alguns filmes – como bom exemplo, “Amnésia” de Christopher Nolan –, não se vê nisso novidade. Aliás, esse detalhe até aborrece um pouco porque só vamos entender o que está acontecendo lá pela metade do filme, conforme retrocede a trama.
Devido a isso, o início é extremamente confuso, sombrio, contando ainda com um abusivo filtro vermelho na fotografia. Mas o que torna tudo ainda mais conturbado é a câmera que gira por vários ângulos freneticamente.
Como o final do filme é o começo, o diretor tenta aliviar toda a barbaridade do início com um belo e romantizado “final”, mas essa artimanha não funciona por se saber que o desfecho é totalmente contrário e aterrador, mesmo que mostrado antecipadamente.
Como o próprio título sugere, qualquer tentativa de amenizar o impacto inicial seria em vão, já que o tal ocorrido é “irreversível”.
Monica Belluci, sempre linda, está impecável na pele de vítima. Como já citado, a cena do estupro é angustiante, e acredito que seja a mais real e perturbadora já feita até então. O que se deve em grande parte ao brilhantismo da bela em transmitir todo o desespero do momento.
Pra se ter uma idéia, a cena tem aproximadamente 10 minutos, sem corte, com a câmera posicionada em um mesmo e “privilegiado” ângulo. Não é à toa que uma multidão abandonou a sala de exibição no Festival de Cannes em 2002, quando o filme chegou nesta parte.
E é difícil de assistir mesmo. A personagem além de ser submetida ao sexo forçado, como conclusão de toda a brutalidade, é ainda afligida à violência física, expressada da pior forma possível, com direito a socos e chute, fazendo com que insurja revolta e indignação em quem assiste.
O mais triste é que, o estupro é um dissimulado fetiche em nossa sociedade, fato preocupante e mais do que desvirtuado, e como a cena é estendida, o espectador ainda corre o risco de achar doentiamente excitante toda aquela violência sexual, o que torna o episódio ainda mais controverso.
Na verdade, a primeira impressão que eu tive ao tentar refletir sobre o filme é que Gaspar queria chocar e criar alvoroço, nada mais. Isso porque ele provoca o público com situações nauseantes e deliberadamente cruéis. Vi-me acuado com a descabida - porém realista - violência demonstrada. Destaque também para uma fortíssima cena em que um homem tem seu rosto destroçado por meio de um extintor de incêndio.
Então, questionei inicialmente se seria essa a razão de “Irreversível”, mostrar sem pudor a imundície da natureza humana que estupra, agride, mata, friamente, sem relevar as implicações de tais atos... Realmente não me decidi. Mas se for só isso, pensei “é justificável a idealização do diretor em optar por uma retratação tão empedernida?” Também não sei... Na verdade, as especulações ficam abertas à subjetividade.
Agora, se o filme tem alguma qualidade a ser ressaltada, é a ambiguidade do ser humano, muita bem delineada aqui, quando nos é apresentado um namorado romântico e pacato, que se transforma em um descontrolado, capaz de tudo para se vingar, impulsionado pela desgraça que lhe foi envolta.
Conforme adiantei, se vê que “Irreversível” não é um filme de massa, muito menos de proposta afeita. Vê-lo é realmente uma experiência crua, desgastante, intimidadora, intensa, espúria... e por aí vai.
Mas, pra concluir, ouso dizer que “Irreversível” não é um filme totalmente dispensável. Assisti-lo será uma tarefa complicada, mas se você optar por ver, faça, nem que seja somente para criar aversão no que diz respeito à pessoa do diretor e sua ideia subversiva de elaborar algo tão crível, sujo e traumático como é esta película.
O cinema precisa, relativamente, de momentos polêmicos e dissociativos como esse, para que a sétima arte se torne ainda mais epopéica. Mas que sejam momentos eventuais, pois se isso se torna recorrente, eu tenho medo das mentes fracas que veem filmes assim como inspiração para a maldade...
Não acontece de a arte imitar a vida, ou vice-versa? Pois é, é o que eu temo.
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