A julgar pela sinopse do filme “A garota ideal” ("Lars and the Real Girl"), eu diria que o dito popular “seria triste se não fosse cômico” cairia como luva para descrever esta projeção. No entanto, ao assistir o filme, eu parafrasearia esta expressão da seguinte forma: “seria cômico se não fosse lindo”.
Vamos então à sinopse para que possam entender o porquê...
Lars, um jovem adulto tímido, não consegue se relacionar com ninguém diretamente. Totalmente recluso, ele mal consegue interagir com seus próprios vizinhos que, no caso, são seu irmão e sua cunhada.
Então em um belo dia, ele aparece com uma boneca de silicone de tamanho real, usada para fins sexuais (mas não no caso dele), a qual ele apresenta como um ser humano, ou para ser mais exato, como sua namorada.
Segundo Lars, a boneca é uma jovem missionária brasileira chamada Bianca que adora crianças. E para dificultar mais, ele pede para o irmão a hospedar, pelo fato de Bianca acreditar no celibato.
Como podem ver a descrição da estória acima não se adéqua ao termo “lindo” que usei anteriormente para classificar a película. Mas acreditem: nada aqui é retratado de forma infame ou bizarra, nem sequer terá cena de humor fácil ou escrachado.
“A garota ideal” não passa de um belo drama, trasvestido de comédia. Até mesmo em seu trailer é possível enganar-se com a idéia de que será mais uma comédia de fim romântico. Mas o interessante é que o espectador só irá se dar conta da real intenção do filme quando realmente o assistir.
As tiradas cômicas e os momentos constrangedores existem sim, mas tudo é muito sutil, sem beirar em nenhum momento o ridículo. E por incrível (e paradoxo) que pareça, o filme pende para um lado tão profundo e denso como poucos filmes conseguem.
A falta de foco em um gênero específico funciona muito bem, por isso “A garota ideial” é tão uniforme em sua mescla de tipos.
Craig Gillespie, com sua ótima direção, marcando aqui seu debute, conseguiu a façanha de reproduzir uma situação embaraçosa e implausível, de forma altamente verossímil e emocionante, indo de confronto à própria impressão inicial.
Aparentemente o longa discorreria por uma linha medíocre, mas bastou cair nas mãos certas para se ter algo bem superior às expectativas.
Já com relação ao elenco, é altamente inspirador ver o minimalismo de cada representação. Os diálogos, as performances corporais, os olhares, as sentimentos exprimidos, tudo muito bem acoplado à trama.
Um integrante destacável deste considerável casting é a jovem Kelli Garner com sua natural e encantadora interpretação. Apaixonei-me por sua personagem. Aliás, todos são igualmente elogiáveis.
Kelli, assim como a maior parte do elenco, consegue conquistar o espectador nos pequenos detalhes, sugerindo em cada gesto uma intenção.
Outros nomes que merecem ser citados são de Emily Mortimer, como a cunhada de Lars, e Paul Schneider, como o irmão.
O roteiro altamente analítico de Nancy Oliver desenrola-se progressivamente, envolvendo o espectador com toda a meticulosidade.
Na estória, os moradores do bairro de Lars consentem em inserir a boneca em suas vidas, tratando-a como um ser literal, tudo para que Lars possa se sentir realizado, aceito e possivelmente “curado”.
Essa valiosa e tocante lição de altruísmo, quase extinta no cinema, é que deixa o filme ainda mais poético e filosófico.
Agora, sem esquecer a melhor parte, temos o espetacular protagonista Ryan Gosling (“Diário de uma Paixão”), que desconcerta qualquer um com sua bela atuação. Confortabilíssimo no personagem, ele transmite com maestria o comportamento complexo, iludente e reprimido de Lars; não é à toa que Ryan foi indicado ao globo de ouro na categoria de melhor ator por este papel.
Enfim, é claro que o filme não é perfeito, tem lá seus momentos exagerados e alguns leves furos, contudo, julgando-o no geral, ele atinge o ápice do que se espera de uma ótima projeção.
Ao apresentar uma visão écloga da vida em como ela deveria ser, sem sombra de dúvidas, esta obra de aspecto não-convencional, qualificada, intitulada como “A garota ideal”, é altamente recomendável. Estou certo de que irá emocionar até o mais indiferente e disperso ser humano.
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