04 maio 2011

FILME "LARANJA MECÂNICA" (1971)


A estória é em torno de Alex (Malcolm McDowell, o eterno “Calígula”), líder de uma gangue de delinquentes que, como fonte de satisfação, no que eles chamam de “ultraviolência”, matam, roubam e estupram. Mais tarde, Alex cai nas mãos da Polícia e é usado em um experimental e desumano método que visa refrear seus maléficos impulsos. Ao final, Alex, agora em um ser extremamente impotente, retorna indefeso à sociedade.

O estranho título, "Laranja Mecânica”, tem no mínimo significados – isso mesmo, significados – curiosos, tão incomuns quanto o próprio título.
Ao pé da letra, o título original, “Clockwork Orange”, quer dizer “Laranja com Mecanismo de Relógio”. O que nos remonta a uma visão mecânica, forçada e robótica da qual se pode condicionar o comportamento humano.
Quanto ao substantivo frutífero “laranja”, pesquisei sobre e, aqui, propriamente dito, tem semelhança com a palavra inglesa “orang – utan”, ou seja, indireta a uma conhecida espécie de macaco (Orangotango), certamente alaranjado, fácil de dominar.
Ainda em relação ao título, existe também a alusão ligando-o a uma velha expressão londrina (o filme se passa em Londres) que apropriadamente significa: “muito estranho”. Nesse aspecto, liga-se à visão do autor sobre o comportamento dos jovens delinqüentes ou, mais corretamente, como já se apontou no início, ao tratamento que o criminoso Alex fora submetido.
A ideia que prevalece então é que o título abrange todo o procedimento supramencionadamente mecânico e artificial em que Alex é inserido sob o subterfúgio de “reabilitação”, por qualificarem o ser humano como um ser programável; um verdadeiro animal “domesticável”.

Sem dúvida, o grande trunfo do filme, muito polemizado na época – até mesmo proibido de ser exibido no Brasil –, foi apresentar a violência de forma tão aberta e ampla, abusando totalmente da complexidade do tema, em uma chocante e irônica narrativa.
No tocante ao personagem Alex, pode-se dizer que as barbaridades antes fomentadas e praticadas por ele, subjugadas como sem razão, são, na verdade, uma represália contra esse mesmo governo, corrompido, regido por paradigmas egoístas, motivado unicamente pelo interesse e benefício próprio.
Independente de como ele se portasse, agora “civilizada”, ou antes, desordeiramente, ele sempre seria a repressiva vítima.
Por tal motivo, Alex poderia ser incontestavelmente o herói da estória, mas ao analisar toda a monstruosidade cometida por ele contra inocentes [ou não... tanto faz], mesmo sendo fruto de sua considerável revolta, a exata justificativa de seus atos não aparece. Sendo assim, nessa retratação, mocinho e antagonista se contrasta.
Kubrick, satisfatoriamente, não isenta ninguém, ele simplesmente explora os dois lados, revelando intrinsecamente cada intenção, para que o expectador chegue a um veredito, segundo o que lhe apraz.

Em equiparação com a nossa realidade, “Laranja mecânica”, nos faz perceber que, pela má e controladora atuação do Estado como regente da ordem, a sociedade se torna apática no que diz respeito aos infortúnios com as quais se depara como, impunidade, desrespeito, preconceito, corrupção, guerras, assassinatos. Isso porque a indiferença foi bem imputada pela subordinação. O que é muito bem representado na cena final em que o vilão/herói Alex, “regenerado”, tem o seu silêncio obrigatoriamente comprado.
E é isso que o roteiro basicamente denuncia: A violência é notavelmente aflorada quando somos duramente inibidos por pseudolálicos e invasivos concebimentos morais, cotidianamente sustentados pela hipocrisia e conivência, seja governamental, religiosa ou meramente social. Pois a prática da violência, em tese domada pelo conceito civil, nos é inerente e instintiva. No entanto, o que mais ocorre em nosso meio é a rendição voluntária à inatividade, por ser assim mais cômodo.

Os agentes controladores do filme, governo e igreja, tanto um como o outro podem [e por vezes o fazem] manipular em prol de seus ideais. Um agente utiliza-se de argumentos inspirados no que denominam como “boa conduta”; o outro se apega àquilo que julga ser aprovado ou não por Deus. Então, o que fosse considerado “politicamente incorreto”, ou “heresia”, tinha como resultado a punição.
É, talvez Stanley Kubrick estivesse suscitando repúdio a política e a religião, talvez não, pois, pelo que conheço de seus filmes, mesmo polêmicos e “rebeldes”, são abertos à interpretação pessoal. Baseado nisso, a mensagem que eu extraio como espectador, simplória ou equivocada que seja, é acima de tudo, um alerta no que diz respeito às nossas atitudes tomadas, decisões pessoais e/ou qualquer manifestação que venhamos expressar.
Segundo meu ponto de vista, ao contrário do que alguns pensam sobre o filme conforme pesquisei, acho descartável a ideia de que a obra apoie à anarquia ou, redundamente, a total abdicação de lei, fé e ordem.
Aceitar assim é generalizar, e isso pode soar como insensato no tocante ao contexto, ainda mais se o motivo for baseado na leviandade de alguns. Eu prefiro ressaltar que o problema não está nos agentes em si, e sim na deturpação que eles sofrem ao serem direcionados por pessoas más intencionadas.

Muitos concordarão que, quando se trata de opinião, dificilmente encontramos algo absoluto ou infalível. E com o diretor Kubrick não é diferente. Ele também é passível de refute, erros e relatividade como qualquer um, porém, admito que é irrevogável sua coerência à frente de "Laranja mecânica".
Parece contraditório, mas não, a discussão levantada pela trama vai além do que possamos compreender. Qualquer impressão é inteiramente pálida, diante de tudo o que mostrado nesta película.
Fato: sempre fomos condicionados a algum tipo de controle abusivo, e hoje esse campo foi ampliado e mascarado, sendo intermediado por mídias, por sociedades alternativas, facções, grupos, e etc, que nos impõe conceitos, doutrinas e diretrizes, na tentativa de nos privar de pensar e agir naturalmente.
Portanto, se aprendi algo com este filme foi que devemos ser autênticos no que somos e convictos do que queremos.

Uma última observação pertinente a se fazer é que “Laranja mecânica” não é um exemplar prazeroso de se ver. Estou falando de um clássico cult, forte, único e duramente confrontador. Confesso que fiquei impressionado quando o assisti.
Entretanto, é importante reconhecer a importância do mesmo para a sétima arte, e sua genialidade em abordar tal assunto, com tamanha presteza. Ainda mais ao ver que esse é um dos poucos filmes em que sexo e violência não são meros artifícios de apelação visual. Cada cena tem, necessariamente, um objetivo por de trás, seja implícita ou explicitamente. Por isso é que Kubrick, revolucionário e original como era, conseguiu criar uma obra visionária e indelével para história!
Sem mais, afirmo: “Laranja mecânica” não é o melhor do entretenimento; “laranja mecânica” é um duro exemplar da mais intimista arte cinematográfica...



03 maio 2011

FILME "O RITUAL" (2011)

Eu hesitei em escrever sobre “O ritual” logo que o assisti porque entendo a decepção que o mesmo gerou no público - vou explicar o motivo logo mais. Inclusive, concordo com as negativas críticas que este recebeu, mas achei necessário repensar sobre redigir ou não uma opinião sobre ele já que Anthony Hopkins está presente, e maravilhosamente bem.

Quando se fala em “exorcismo” é inevitável não se reportar ao clássico “O exorcista” protagonizado por Linda Blair em 73, e todo aquele vômito verde, cabeça girando, cama trepidando e etc. Surgiram também alguns herdeiros interessantes como “O exorcismo de Emily Rose”, “O último exorcismo”, tão assustadores e peculiares quanto o precursor da ideia.
Devido a isso, “O ritual” não foi tão bem recebido, principalmente pelos americanos, pois ao abordar uma temática tão bem representada e variadamente explorada, o mínimo que se esperava eram muitos sustos e sangue, afinal, sempre que aparece um filme de proposta derivada espera-se que este tente superar, ou maximizar as possibilidades do tema. Mas não foi o que ocorreu.

Acredito que “O ritual” seja o filme mais honesto no assunto, pois ele opta por mostrar o lado oposto do que já foi visto, voltando-se aos rituais em si, como o próprio título indica.
No filme, este que é baseado num livro não-fictício, revela que os tais exorcismos ainda são praticados pela Igreja Católica, com autorização e respaldo da mesma, só que por um grupo seleto e bem reduzido, isso nos EUA. Portanto, o filme tenta perambular pelo lado crível e austero da coisa, se comparado aos outros filmes que abordam o tema em questão. Mas já adianto, o “chá de cadeira” é certo, os sustos são previsíveis e mínimos, sem contar que os primeiros minutos são uns martírios de chatos, e a estória só engrena quando Hopkins aparece, o que demora um bocado.

Em relação ao grande astro, ele está magnífico aqui. Enfático, preciso, compenetrado e muito convincente, como não se via há algum tempo. E ainda consegue introduzir certo humor ao personagem, o que não prejudica sua composição; atributos que só um “velho de guerra” consegue com tanta eficácia.
É também percebido que Hannibal Lecter, seu antológico e pronunciado personagem, foi uma inspiração aqui, para não dizer uma voluntária reminiscência, talvez por este motivo ele próprio tenha sido só elogios para com este filme.

Mas o personagem central, na verdade, é o sonolento Colin O´Donughue, importado da série “The Tudors”. Ele aqui é um jovem cético e humilde que, em busca de uma educação de qualidade, parte para o seminário. Dificuldades à parte, ele é mandado para a Itália, para estudar em uma escola especializada em exorcismos. Lá ele é encaminhado para uma pequena aldeia em que se concentram os casos mais recorrentes de possessões demoníacas.
Como sempre, a figura endemoniada é uma figura feminina, sob a posse de mais um espírito resistente e extremamente desafiador. Mas ao contrário de todos os exorcismos já vistos no cinema, como já sobredito, tudo aqui é muito “tranquilo”. Até mesmo “Constantine” de Keanu Reeves é mais assustador no que concerne às esconjurações.

O filme conta também com a notável participação de Alice Braga (“Predadores”). Ela, com certeza, a brasileira mais presente em longas ianques, com papéis significativos até, tem seu considerável esforço comprovado aqui.
Alice não fica devendo em nada e mostra aptidão no que faz. E isso não é simpatia pátria [somente], é o reconhecimento de um talento nosso em ascensão em um meio tão hermético como Hollywood.

Continuando no que diz respeito ao roteiro, não levando em conta algumas incoerências contextuais, o grande furo do filme mesmo é partir para uma linha investigativa, acentuando a dramaticidade da situação e esquecendo de aguçar o necessário medo no espectador, afinal, é isso que normalmente os filmes de horror proporcionam.
O público que é atraído por essa espécie de entretenimento, ainda mais se tratando de algo que envolva manifestações demoníacas, espera que o pavor seja aflorado no decorrer da projeção, não obstante, em “O ritual” tudo isso é, erroneamente, deixado em segundo plano, perdendo a chance de ser mais um expressivo integrante do time das possessões. Ainda mais tendo Hopkins no casting, abrilhantando a película.
Por fim, é mais que compreensível às críticas negativas que recebeu o filme em terras do "Tio Sam". Os fãs não polpam filmes, aparentemente proeminentes para o gênero, sendo desperdiçados assim. Contudo, que fique claro, o filme não é de todo ruim, só não é o que se espera.



FILME "IRREVERSÍVEL" (2002)

O diretor argentino Gaspar Noe conseguiu gerar com esta altercada obra, denominada como “Irreversível”, múltiplos sentimentos em seus espectadores, em suma, negativos. Com o decorrer de minha resenha, vou esclarecer o porquê...
Acredito que a maioria das pessoas que resolveram ver “Irreversível”, foi motivada a fazê-lo devido a sua famigerada cena de estupro, pois filmes que abordam tal temática costumam causar essa curiosidade suspeita, e comigo não foi diferente, apesar de o tema me incomodar bastante.

Quanto ao roteiro, este é basicamente sobre um homem que busca implacavelmente o estuprador de sua namorada. Uma premissa consideravelmente fraca, entretanto com alguns diferenciais, dentre eles o ímpeto irracional do tal homem ao tentar encontrar o algoz, os lugares escabrosos pelos quais ele percorre, e o estupro propriamente dito.

Outro diferencial que poderia se destacar na estória é que a mesma é contada de trás pra frente, mas como tal recurso já foi utilizado em alguns filmes – como bom exemplo, “Amnésia” de Christopher Nolan –, não se vê nisso novidade. Aliás, esse detalhe até aborrece um pouco porque só vamos entender o que está acontecendo lá pela metade do filme, conforme retrocede a trama.
Devido a isso, o início é extremamente confuso, sombrio, contando ainda com um abusivo filtro vermelho na fotografia. Mas o que torna tudo ainda mais conturbado é a câmera que gira por vários ângulos freneticamente.
Como o final do filme é o começo, o diretor tenta aliviar toda a barbaridade do início com um belo e romantizado “final”, mas essa artimanha não funciona por se saber que o desfecho é totalmente contrário e aterrador, mesmo que mostrado antecipadamente.
Como o próprio título sugere, qualquer tentativa de amenizar o impacto inicial seria em vão, já que o tal ocorrido é “irreversível”.

Monica Belluci, sempre linda, está impecável na pele de vítima. Como já citado, a cena do estupro é angustiante, e acredito que seja a mais real e perturbadora já feita até então. O que se deve em grande parte ao brilhantismo da bela em transmitir todo o desespero do momento.
Pra se ter uma idéia, a cena tem aproximadamente 10 minutos, sem corte, com a câmera posicionada em um mesmo e “privilegiado” ângulo. Não é à toa que uma multidão abandonou a sala de exibição no Festival de Cannes em 2002, quando o filme chegou nesta parte.
E é difícil de assistir mesmo. A personagem além de ser submetida ao sexo forçado, como conclusão de toda a brutalidade, é ainda afligida à violência física, expressada da pior forma possível, com direito a socos e chute, fazendo com que insurja revolta e indignação em quem assiste.
O mais triste é que, o estupro é um dissimulado fetiche em nossa sociedade, fato preocupante e mais do que desvirtuado, e como a cena é estendida, o espectador ainda corre o risco de achar doentiamente excitante toda aquela violência sexual, o que torna o episódio ainda mais controverso.

Na verdade, a primeira impressão que eu tive ao tentar refletir sobre o filme é que Gaspar queria chocar e criar alvoroço, nada mais. Isso porque ele provoca o público com situações nauseantes e deliberadamente cruéis. Vi-me acuado com a descabida - porém realista - violência demonstrada. Destaque também para uma fortíssima cena em que um homem tem seu rosto destroçado por meio de um extintor de incêndio.
Então, questionei inicialmente se seria essa a razão de “Irreversível”, mostrar sem pudor a imundície da natureza humana que estupra, agride, mata, friamente, sem relevar as implicações de tais atos... Realmente não me decidi. Mas se for só isso, pensei “é justificável a idealização do diretor em optar por uma retratação tão empedernida?” Também não sei... Na verdade, as especulações ficam abertas à subjetividade.

Agora, se o filme tem alguma qualidade a ser ressaltada, é a ambiguidade do ser humano, muita bem delineada aqui, quando nos é apresentado um namorado romântico e pacato, que se transforma em um descontrolado, capaz de tudo para se vingar, impulsionado pela desgraça que lhe foi envolta.
Conforme adiantei, se vê que “Irreversível” não é um filme de massa, muito menos de proposta afeita. Vê-lo é realmente uma experiência crua, desgastante, intimidadora, intensa, espúria... e por aí vai.

Mas, pra concluir, ouso dizer que “Irreversível” não é um filme totalmente dispensável. Assisti-lo será uma tarefa complicada, mas se você optar por ver, faça, nem que seja somente para criar aversão no que diz respeito à pessoa do diretor e sua ideia subversiva de elaborar algo tão crível, sujo e traumático como é esta película.
O cinema precisa, relativamente, de momentos polêmicos e dissociativos como esse, para que a sétima arte se torne ainda mais epopéica. Mas que sejam momentos eventuais, pois se isso se torna recorrente, eu tenho medo das mentes fracas que veem filmes assim como inspiração para a maldade...
Não acontece de a arte imitar a vida, ou vice-versa? Pois é, é o que eu temo.